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Como o Império (Suposto) Teceu o Sionismo

A afirmação de um “Império anglo-americano-veneziano” como força motriz por trás do surgimento do sionismo, soa como uma daquelas teorias da conspiração que florescem nas margens da história oficial. A imagem de um triunvirato secreto, tramando nos bastidores para moldar o destino do Oriente Médio, evoca um imaginário poderoso, mas carece de sustentação factual robusta. No entanto, ao desconstruir essa alegação, podemos encontrar fios interessantes que conectam as potências da época com o desenvolvimento do movimento sionista, ainda que de forma menos direta e conspiratória.
A Inglaterra, no final do século XIX e início do XX, era inegavelmente o império dominante. Seu interesse estratégico no Oriente Médio, especialmente após a abertura do Canal de Suez, era primordial. A ideia de uma presença amiga na região, que pudesse proteger seus interesses e rotas comerciais, não era estranha aos círculos de poder britânicos. O sionismo, com seu projeto de um lar nacional judeu na Palestina, surgiu nesse contexto. Líderes sionistas como Theodor Herzl buscaram ativamente o apoio das potências europeias, e a Inglaterra, em um momento específico, pareceu disposta a considerar essa possibilidade.
A Declaração Balfour de 1917 é o exemplo mais emblemático dessa interação. Nela, o governo britânico expressava seu apoio ao estabelecimento de um “lar nacional para o povo judeu na Palestina”. Essa declaração não surgiu de um complô secreto com venezianos, mas de uma complexa interação de fatores: simpatia por uma população historicamente perseguida, cálculos estratégicos em meio à Primeira Guerra Mundial (a busca por apoio da comunidade judaica internacional) e uma certa visão romântica sobre o retorno dos judeus à sua antiga pátria.
Os Estados Unidos, na mesma época, estavam ascendendo como potência global, mas seu envolvimento direto na questão palestina era ainda incipiente. O apoio americano ao sionismo cresceu significativamente após a Segunda Guerra Mundial e, especialmente, com o reconhecimento do Estado de Israel em 1948. No entanto, atribuir a gênese do sionismo a uma influência americana primordial no final do século XIX seria anacrônico.
E a participação de uma “Veneza” nesse suposto império? A República de Veneza, como potência marítima e comercial dominante no Mediterrâneo, floresceu durante a Idade Média e o Renascimento, mas sua influência política e militar declinou significativamente séculos antes do surgimento do sionismo moderno. É improvável que, no final do século XIX e início do XX, Veneza, já parte da Itália unificada, possuísse o poder e a influência para moldar um movimento de tal magnitude em conluio com as potências anglo-americanas.
O que talvez a teoria do “Império anglo-americano-veneziano” capture, de forma distorcida, é a complexa teia de interesses e influências que moldaram o surgimento do sionismo. A busca por apoio internacional era crucial para o movimento, e as potências da época, cada uma com seus próprios cálculos estratégicos e ideológicos, interagiram com os líderes sionistas. A Inglaterra, por um período, viu no projeto sionista uma forma de consolidar sua presença no Oriente Médio. Os Estados Unidos, mais tarde, tornaram-se o principal aliado de Israel.
No entanto, atribuir o nascimento do sionismo a uma orquestração secreta de um império tricéfalo ignora a autonomia e a motivação intrínseca do próprio movimento sionista. O sionismo surgiu como resposta ao crescente antissemitismo na Europa e à busca por autodeterminação de um povo historicamente disperso e perseguido. Seus líderes articularam uma visão, mobilizaram apoio e buscaram ativamente o reconhecimento internacional.
Em vez de um complô imperial, o surgimento do sionismo foi o resultado de uma confluência de fatores históricos, políticos e sociais: o nacionalismo europeu, o antissemitismo, os ideais de autodeterminação e a busca por um refúgio seguro. As potências da época, com seus próprios interesses e visões de mundo, interagiram com esse movimento, oferecendo apoio em momentos cruciais, mas não o criaram do nada.
A história é raramente um conto de marionetes controladas por um mestre invisível. O surgimento do sionismo, com suas complexidades e consequências duradouras, é um testemunho da interação dinâmica entre ideias, movimentos sociais e o jogo de poder entre as nações. Reduzi-lo a uma conspiração de um “Império anglo-americano-veneziano” simplifica demais uma história rica e multifacetada, obscurecendo as verdadeiras motivações e o protagonismo daqueles que sonharam e lutaram pela criação de um lar nacional judeu.
A teia da história é tênue e complexa, mas não tecida por mãos secretas de um império imaginário.

 

SUGESTÃO DE LEITURA: https://revistadiaria.com.br/artigos-e-opiniao/o-eterno-retorno-sob-o-ceu-de-brasilia/

O ETERNO RETORNO SOB O CÉU DE BRASÍLIA

 

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