“DEIXAI TODA A ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS”
A inscrição sobre os portões do inferno, “Deixai toda esperança, vós que entrais”, ecoa com uma ressonância perturbadora quando a aplicamos ao cenário político-institucional brasileiro. Não que o Brasil seja um inferno, mas a sensação de impotência e a dificuldade em vislumbrar saídas, por vezes, nos remetem a essa imagem dantesca.
O labirinto dos desmandos
O Supremo Tribunal Federal, que deveria ser a última instância da Justiça, o guardião da Constituição, por vezes parece operar em um plano à parte, onde decisões monocráticas e interpretações elásticas da lei se tornam a norma. O ativismo judicial, em sua face mais controversa, suplanta o papel legislativo, criando um clima de insegurança jurídica que afasta investimentos e mina a confiança nas instituições. Quando a linha entre os poderes se esvai, a esperança na estabilidade democrática começa a se desvanecer.
No Poder Executivo, a situação não é menos complexa. Entre promessas não cumpridas, crises sucessivas e uma polarização que paralisa o debate, a governabilidade se torna um eterno jogo de cintura. A máquina pública, muitas vezes, mais parece um elefante paquidérmico, movido por interesses fragmentados e uma burocracia que sufoca a eficiência.
O “toma lá dá cá” e o modelo federativo
As emendas parlamentares, concebidas para permitir que os congressistas atendam às demandas de seus eleitores, transformaram-se em um mecanismo de barganha política, o famoso “toma lá dá cá”. A liberação de recursos, muitas vezes condicionada ao apoio a projetos ou à blindagem de figuras políticas, distorce o jogo democrático e perpetua um ciclo vicioso de dependência e corrupção. A governabilidade é comprada, não conquistada.
E sobre o nosso modelo federativo, que deveria descentralizar o poder e aproximar as decisões do cidadão, ele se tornou um emaranhado de competências concorrentes e disputas por recursos. Estados e municípios, dependentes da União, vivem à mercê de repasses e acordos, muitas vezes desvirtuados por interesses eleitorais. A autonomia federativa, que deveria ser um pilar da nossa República, se dilui em uma intrincada teia de burocracia e politicagem.
O silêncio cúmplice e a ruína da educação
E onde estão as vozes que deveriam ecoar contra esses absurdos? Sindicatos patronais e de empregados, a OAB e outras instituições que, em tese, representam pilares da sociedade civil, muitas vezes permanecem em um silêncio quase cúmplice. A defesa de seus interesses corporativos ou setoriais parece sobrepor-se à defesa de princípios democráticos e éticos, contribuindo para a passividade geral diante dos desmandos.
Nesse cenário, as universidades, que deveriam ser faróis do pensamento crítico e da inovação, são sucateadas. Não apenas pela falta de investimento, mas por uma ideologia atrasada que, em vez de promover o debate livre e a busca pelo conhecimento, busca enquadrar o pensamento, tolhendo a pluralidade de ideias e o desenvolvimento intelectual.
Consequentemente, o sistema de ensino como um todo falha em sua missão mais essencial: formar cidadãos críticos, capazes de questionar, de participar ativamente e de construir uma sociedade mais justa. Alunos são, muitas vezes, meros repetidores de conteúdo, desprovidos de ferramentas para analisar a complexidade do mundo ao seu redor.
A IA e a passividade intelectual
E a Inteligência Artificial, essa força transformadora que surge no horizonte, pode, paradoxalmente, aprofundar essa inoperância intelectual. Se não for usada como ferramenta para expandir o conhecimento e o raciocínio crítico, mas sim como um atalho para respostas prontas, pode consolidar a passividade, a preguiça do pensamento. Em vez de nos tornar mais perspicazes, a IA, mal utilizada, pode nos transformar em meros consumidores de informações filtradas, distorcendo nossa percepção da realidade e minando nossa capacidade de ação.
A esperança em meio ao caos?
Diante desse cenário, a pergunta que ecoa é: há esperança? Talvez não uma esperança ingênua, que espera a salvação de um líder messiânico ou de uma reforma mágica. Mas uma esperança que reside na capacidade de discernimento do povo, na resiliência das instituições democráticas, ainda que fragilizadas, e na busca incessante por um futuro mais justo e equitativo. É na resistência do pensamento crítico, na reivindicação de uma educação de qualidade e na exigência de accountability por parte das instituições que a chama da esperança pode reacender.
Pode ser que, ao invés de deixarmos toda a esperança, vós que entrais, a gente precise, mais do que nunca, carregá-la conosco. Não como um fardo, mas como a chama que ilumina o caminho em meio à escuridão e que nos impulsiona a lutar por um país onde a inscrição em nossos portões seja: “Bem-vindos à democracia, vós que credes na mudança”.
"O conteúdo deste artigo reflete apenas a opinião do autor e não necessariamente as opiniões do Portal REVISTA DIÁRIA, que não se responsabiliza por qualquer dano ou erro que possa surgir do uso das informações apresentadas neste artigo. Ao acessar e ler este artigo, você concorda em que REVISTA DIÁRIA não se responsabiliza por quaisquer danos diretos, indiretos, acidentais ou consequentes que possam surgir do uso das informações contidas neste artigo. Você concorda que é responsável pelo uso que fizer destas informações e que o blog não tem qualquer responsabilidade por quaquer erro, omissão ou imprecisão."