ARTIGO
MARCÍLIO SOUZA
MÁSCARASEMORDAÇASNOBRASILMÁSCARASEMORDAÇASNOBRASILMÁSCARASEMORDAÇASNOBRASIL
No momento de crise, sob as incertezas da pandemia, interesses políticos, econômicos e de filiações ideológicas sobrepõem o bem-estar da população e promovem excessos.
O surgimento e a rápida disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), causador da COVID-19, trouxe incertezas, desafios, medo, histeria, pânico, dramas, mortes, desvios de dinheiro público, perdas, lucros e intensificou disputas e desavenças na sociedade brasileira. O enfrentamento por aqui foi descentralizado, por decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, e os estados e municípios estabeleceram suas próprias regras, algumas exageradas, autoritárias e em desacordo com os conhecimentos disponíveis e a legislação vigente.
Por aqui, o uso de máscaras, conhecido e com eficiência amplamente comprovada nos
ambientes de saúde, que deveria ser uma medida simples, barata, adotada e estimulada desde os primeiros casos, mesmo que as artesanais, não foi considerado nem valorizado
por meses, até o fracasso de outras medidas caras, como o isolamento, o lockdown e até
mesmo os respiradores para os casos graves. Existe algum estudo ‘científico’ que
comprove a eficácia do isolamento social no combate a vírus? Já as práticas indicam
ineficiência.
Recentemente, uma vez que os municípios e os estados foram determinando a
obrigatoriedade do uso de máscara em locais públicos, o Congresso Nacional também a
definiu como medida preventiva obrigatória. A exigência tardia promove uma sensação de
mando, de mero exercício de poder, que pode ser visto e sentido pela população como
um tipo de mordaça.
Para se falar de máscaras, algumas premissas iniciais são relevantes: a área de saúde usa esses equipamentos há tempos para se proteger de infecções; várias nações se
protegeram com elas de outros vírus e coronavírus, desde a gripe espanhola, e também são usadas nas artes cênicas, nas festas e nos carnavais, com o intuito de se disfarçar
faces e atuações sociais. Do ponto de vista psicológico, as pessoas usam máscaras,
físicas ou invisíveis, para mudar ou esconder personalidades.
Por mordaça, entendemos qualquer artefato, tira ou corda que restrinja a liberdade de
expressão das pessoas. Mas, metaforicamente, assume qualquer possibilidade de
intimidação de alguém por meio de medo, pânico ou ameaça de liberdades individuais. O
exercício inadequado de poder pode diminuir as ações e manifestações dos dominados,
ou ‘amordaçados’.
Em experiências anteriores com vírus e coronavírus muitas nações, especialmente as
orientais, como o Japão e a Coréia do Sul, por exemplo, escolheram o uso de máscaras
com uma das principais formas de contenção das infecções. Por lá, é normal o uso de
máscaras faciais por pessoas gripadas para não se infectar outras. Esse conhecimento já
estava disponível há tempos, inclusive com diversas comprovações da eficiência por
diversos estudos médicos e práticas. No decorrer da pandemia da COVID-19, novos
estudos atestaram a eficácia das máscaras na diminuição de infecções, como o publicado
na revista Nature Medicine, em 3 de abril de 2020, e na revista The Lancet, em 1 de junho
de 2020.
O advento do novo coronavírus e da pandemia ao mesmo tempo que promoveu inúmeras incertezas, especialmente entre as pessoas menos informadas e o povo em geral, fez surgir as mais diversas narrativas, de ‘especialistas’ e políticos, muitas com o intuito de iludir e proporcionar ganhos econômicos e políticos. Muitos viram na pandemia oportunidades para manipular e confundir a população.
Nesse sentido, algumas perguntas tornam-se cruciais. Por que a Organização Mundial da Saúde – OMS não promoveu orientações iniciais sobre a efetividade do uso de máscaras
(medida de baixo custo) no combate ao novo coronavírus? Por qual motivo o Brasil não
indicou o uso de máscaras no início da ‘certa’ pandemia? Quem ganha e quem perde com a indicação de formas mais caras de enfrentamento?
Na realidade, até pouco tempo, a OMS aconselhava o uso de máscaras apenas por
profissionais da saúde, não considerando estudos e práticas eficientes em diversos
países. Ultimamente, passou a recomendar o uso de máscaras e mesmo difundir
orientações para a confecção desse item de proteção. Mais uma vez demonstrou
fragilidade por meio de mudanças radicais nas medidas de prevenção ao coronavírus e
de enfrentamento da pandemia.
Em terras brasileiras, algumas forças adormecidas e enfraquecidas na sociedade, com o
apoio da mídia, perceberam possibilidades de ganhos com a desinformação, a promoção
de medo e da histeria coletiva. Velhas ‘máscaras’ comumente usadas na dominação, na
manipulação e na fabricação de militância, foram reutilizadas nesse momento de pandemia.
Ao mesmo tempo que a liberdade de ações atribuídas aos estados e aos municípios no combate à pandemia do novo coronavírus permite a consideração de especificidades das
realidades locais, abre brechas para irracionalidades, exageros e abusos de poder.
Também deixa os brasileiros sem diretrizes nacionais.
Não foram raros os casos de uso de força policial contra cidadãos que por vezes
manifestavam opiniões contrarias às determinações abusivas de governantes ou
simplesmente estavam exercendo direitos básicos constitucionais: de ir e vir ou de
liberdades individuais, por exemplo.
Vale ressaltar que o Governo Federal decretou situação de emergência no dia 6 de
fevereiro, antes do Carnaval, mas nenhum evento com aglomeração foi cancelado. A
maior festa popular do planeta aconteceu normalmente, inclusive com a livre entrada e
circulação de viajantes de outros países.
Diante de tantos exemplos de irracionalidades e exageros, em diversos municípios e
estados durante a pandemia do novo coronavírus, alguns foram selecionados: Muitas cidades, especialmente as turísticas, mas não apenas essas, publicaram decretos
proibindo a entrada de pessoas de fora e fechando quase todos os estabelecimentos comerciais. Algumas chegaram a montar barreiras de concreto impedindo a passagem de
carros, sobrepondo princípios constitucionais que só podem ser retirados em casos de
estado de sítio, a ser declarado pelo Presidente da República. Foram montados diversos
postos de controle nas entradas de cidades, muitos sem qualquer recurso para identificar sintomas, ou mesmo testes para se descobrir a existência do vírus nas pessoas.
Funcionam meramente como demonstração de controle pela gestão local ou simplesmente para justificar gastos.
Em Uberlândia/MG, mesmo após a abertura geral das atividades comerciais houve um recuo e a possibilidade de funcionamento apenas das 10 às 18 horas, de segunda a
sexta-feira. Fora desse turno e nos finais de semana tudo que não é essencial fecha.
Como se o vírus atuasse apenas em alguns dias e horários e não considerando as
elevadas taxas de infecção nos ambientes residenciais. As pessoas saindo livremente em
alguns dias e horários devem se infectar e levar o vírus para outros membros da família,
normalmente desprovidos das proteções usadas nas ruas e em locais públicos, nos
horários e dias de confinamento.
No parque Sabiá de Uberlândia é permitido a frequência apenas de segunda a sexta-feira, desde que o usuário use máscaras. Nesses dias poucos vão ao parque e andam e correm no mesmo sentido. Entretanto, nos finais de semana a população, em grande número, pratica esportes, exercícios, caminhadas e corridas nas mediações e no entorno do parque, em todas as direções, sem uso de máscaras e as vezes aglomerados em aulas de ginástica e luta.
O parque da Cidade, em Brasília, foi reaberto ao público há poucos dias. No entanto, apenas algumas entradas e estacionamentos foram liberados. Difícil entender os motivos dessa decisão, na medida que os estacionamentos então utilizados ficam lotados de carros e as pessoas aglomeradas para ir e voltar das atividades. Não seria melhor liberar todas as entradas e os estacionamentos, para diminuir as concentrações de pessoas? Da forma que foi definida a liberação acaba sendo caracterizada como uma bondade do governador, que tem o domínio e o controle sobre tudo e todos. No estilo conta-gotas e de exercício extremado de poder, ao mesmo tempo que algumas localidades tiveram a liberdade de abrir parte dos comércios caçada, o Eixão do lazer será liberado no próximo domingo.
No estado de São Paulo, após o governador impedir prefeituras de autorizar atividades
comerciais, ameaçar mais de uma vez a população em endurecer as medidas de combate e até mesmo com o lockdown, ele passou repentinamente a falar de retorno gradativo das
atividades. Tudo isso depois de ter declarado antes do carnaval que o novo coronavírus
não era uma ameaça para a festa. Nesse período o vírus já circulava por aqui.
Porto Seguro/BA, bem como tantos outros municípios, não investiu nada no sistema de saúde local. Não foram aumentadas as vagas nos hospitais, nem de leitos nem de UTIs. Depois de mais de três meses do início da pandemia no Brasil, o município continua
fechado e não se preparou para um possível aumento de casos após a futura abertura
para o turismo.
Em Belo Horizonte, apesar de quase todo o comércio não essencial permanecer fechado, inclusive os shoppings centers, populares ou sofisticados, os comércios de produtos de qualidade duvidosa, maioria importados da China, especialmente tocados por chineses, estão funcionando normalmente. Quais os critérios para isso?
Sem abordar as variações nos preços de respiradores e outros materiais, alguns
descartáveis, entre as compras sem licitação de municípios, estados e do Governo
Federal, geradoras de muitos inquéritos policiais, menciono a elevação de preço das
máscaras cirúrgicas descartáveis. Na mesma plataforma de uma empresa que vende
materiais para profissionais da saúde, no mês de fevereiro de 2020 era possível comprar
50 máscaras por R$ 11,99. No mês de maio o mesmo quantitativo é oferecido por R$
155,00. Mais de 1200 por cento de aumento. Vale lembrar que o governo do estado de
Minas Gerais, como um bom exemplo de gestão pública, montou em Belo Horizonte um
hospital de campanha com a efetiva participação da iniciativa privada.
Mudando de assunto, sem sair das controvérsias. Então fica assim até o momento, no
vai-e-vem dos princípios e das indicações da OMS, orientada pela China expansionista: o
isolamento e o lockdown não são mais eficientes, apesar das indicações anteriores, e o
melhor teria sido o isolamento vertical; as máscaras passaram a ser indicadas para todos
no combate à propagação do vírus; estudos relacionados ao uso e eficiência da
cloroquina ou hidroxicloroquina (tão defendida pelo governo Bolsonaro e firmemente
combatida pelo opositores, inclusive a grande mídia) devem continuar, mesmo depois de
ter promovido a suspensão; os portadores assintomáticos do novo coronavírus têm baixo
poder de transmissão (declaração feita na última segunda-feira, 09/06/2020, e alterada um dia após, para: “pessoas assintomáticas transmitem coronavírus, a questão é saber
quanto”).
Assim, ficam dúvidas. Existem interferências políticas na OMS? As diversas mudanças na
orientações demonstram apenas uma crise generalizada na definição de normas e
procedimentos ou uma interferência de conflitos ideológicos entre membros? Ainda se
mantém a credibilidade da instituição?
Não foram poucas as defesas de especialistas sobre a ineficiência do isolamento na
transmissão do novo coronavírus, nem as afirmações de que os ambientes fechados dos lares aumentam as chances de infecção entre os moradores. Junto com isso, temos as
experiências bem sucedidas de países que enfrentaram esta pandemia, bem como outros
vírus, com o distanciamento social, o uso de máscaras e outras medidas baratas de
prevenção. Vale mencionar, ainda, os dados estatísticos da cidade de Nova Iorque que
apontaram a predominância da transmissão em casa (66%) dos infectados que buscaram
atendimentos em hospitais.
Considerando as estimativas de que cerca de 80% dos portadores do novo coronavírus
são assintomáticos e a recente, e dúbia, declaração da OMS que os assintomáticos não
são efetivos na transmissão do novo coronavírus, além de outras medidas de proteção,
como as máscaras, o distanciamento social, o uso de álcool gel e a lavagem constante das mãos com sabão, espera-se novos posicionamentos dos governantes brasileiros no combate a COVID-19. A menos que os embates sejam meramente políticos.
De fato, percebemos no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus no Brasil a falta de uma combinação clássica da filosofia, bem como de outras áreas do conhecimento,
entre ética, política e direito, nas práticas cotidianas e nas suas avaliações. O ideal,
nesses casos, seria combinar premissas da ética com valores e normas presentes na
política e no direito.
Entretanto, nota-se que, por vezes, faltaram princípios éticos e morais, que deveriam
buscar sempre o bem comum, boas práticas políticas, por meio de ações de uma
coletividade em vista de um fim que não pode ser alcançado por um único indivíduo, e
sobraram algumas falhas legais, que afrontam o direito, o conjunto de normas e leis
positivas vigentes no país, que tem força coercitiva.
Nestes termos, tanto a ética, como a política e o direito dizem respeito a valores sociais, ao que é considerado um bem para a sociedade. Cabe a justiça julgar os atos que ferem
as leis, bem como estabelecer as devidas punições. A pandemia, apesar dos sofrimentos, deve servir para uma revisão de muitas práticas sociais por aqui.
O Brasil perde com tudo isso. O povo vai sofrer mais do que ter prazer com os
enfrentamentos descentralizados, e descontrolados, ao novo coronavírus. Princípios
éticos foram desconsiderados e atos ilegais sobram por aí. Muitos indivíduos e grupos
agem em interesses próprios, em detrimento do bem-estar do coletivo, da sociedade
como um todo. Entretanto, apesar dos prejuízos, com o poder das mídias sociais e de
parte da comunicação social, boa quantidade dos atos abusivos e ilícitos foram
escancarados, tornados públicos com riquezas de detalhes. Resta à população usar o conhecimento dos atos e dos fatos nas próximas escolhas de representantes, bem como nas futuras reivindicações e nas possíveis mobilizações.
Se as máscaras e o distanciamento social são eficientes e o isolamento, especialmente o
lockdown, promovem grandes números de infectados nos lares, por que muitos de nossos
governantes insistem nas medidas ineficientes, por vezes mais caras e prejudiciais à
economia? Precisam justificar os gastos elevados com a pandemia? Quanto mais tempo
com as medidas caras são elevadas as possibilidades de lucros e desvios de recursos,
por meio de compras sem licitação?
E agora? Como os nossos governadores e prefeitos, liderados pelo STF e o Congresso Nacional, irão se portar? A partir das mudanças de orientações e novas afirmações da
OMS, além de mais confirmações da ineficiência do isolamento social no combate a
COVID-19.
Diante das confusões e controvérsias da OMS, qual o posicionamento do Governo
Federal? Vão apresentar orientações e regras gerais para a saída definitiva do quadro paralisante da pandemia? Apesar das decisões do STF, não seria importantes novas
diretrizes? Até pela dificuldade em acompanhar a estranha lógica da OMS. Qual o
posicionamento do Ministério da Saúde, diante desse quadro de incertezas?
Mudando de perspectiva sem perder a inquietação, se as “aglomerações” sociais em
apoio ao governo Bolsonaro, normalmente consideradas antidemocráticas pela grande
mídia, são vistas, e denunciadas, como potenciais promotoras de mais infecções pelo novo coronavírus, e as “manifestações” dos Antifas, em “favor da democracia” e contra o governo, quebrando e agredindo, que não foram tratadas pela maioria dos grandes meios
de comunicação como possibilidades de disseminação do coronavírus. Então temos, assim,
certeza do posicionamento político-ideológico de parte da grande mídia e de muitos
jornalistas.
Em decorrência do exposto, o uso de máscaras no Brasil para a proteção contra a
infecção pelo novo coronavírus, que deveria ter sido implementado desde o surgimento
do vírus por aqui, acabou ganhando contornos de mando, de mais uma de tantas
determinações dos empoderados no enfrentamento da pandemia, que por vezes
assumiram posições autoritárias, de déspotas. Assim, o que é benéfico para a população, pode ser entendido como uma mordaça, em decorrência de interesses obscuros e de abusos, colocados em primeiro plano.
Vivenciamos embates político-ideológicos extremados, nos mais diversos âmbitos:
nacional, estadual, municipal, grupal, familiar. Que foram multiplicados e intensificados
com o advento da pandemia. Estamos a beira da barbárie? Vamos superar com
sabedoria? Teremos em algum momento um senso de coletividade e de bem-estar
social? Serão necessárias rupturas? Tempos de incertezas, sofrimentos e dúvidas! Hora
de reflexão, racionalização e lucidez. Urge a necessidade da separação entre
informações e conhecimentos ricos, verídicos e honestos e os enviesados, parciais, falsos
e manipuláveis. Dê os seus passos no sentido correto, em prol de ganhos coletivos, e
ajude a construir dias melhores.
Enfim, tanto no caso do uso de máscaras, como em diversos outros, os brasileiros são
tratados como incapazes de entender a gravidade de fatos e seguir recomendações das
autoridades. Será? De fato, presenciamos uma adesão em massa ao uso das máscaras,
apesar da indicação tardia. Com o cinto de segurança e o uso de cadeirinhas para
crianças nos carros não foi diferente. Hora de se repensar o povo brasileiro, que precisa
ser respeitado e adequadamente educado, para incrementos no bem-estar coletivo, e não
apenas para manter o establishment. Os brasileiros estão cansados das manipulações,
de mentiras e das negociatas para se manter privilégios e impunidades. Isso sim!
Bom mesmo seria se a mesma lógica de ‘proteger a população’ contra a COVID-19, com
a devida mobilização e a destinação de elevados recursos públicos, fosse estendida para
outras áreas problemáticas, como: o combate a violência e os crimes, inclusive os de
desvios de verbas públicas; diminuição das infecções pelo Aedes aegypti e as devidas
melhorias na educação, além de outras enfermidades e atrocidades. Que bom seria!
Máscaras para proteger são imprescindíveis, desde o início da pandemia. Para disfarçar e amordaçar, não. Nunca. Cabe a nós a separação das intenções e dos desejos, declarados ou ocultos.
Marcílio Souza é sociólogo e jornalista, mestre e doutor em comunicação