O que dizem os experts sobre esse fenômeno que começou entre celebridades e tem seduzido mulheres com a promessa de melhorar a aparência e o ânimo
O pacote de benefícios é pra lá de tentador: acabar com a menstruação e os incômodos que vêm junto com ela, como cólicas, inchaço e TPM, e ainda aumentar a libido, tonificar os músculos e apagar as celulites. A propaganda ganha força com as celebridades já chipadas, como se diz por aí: entre elas, a atriz Letícia Birkheuer e as modelos Babi Rossi e Mirella Santos. Não é à toa que o chip da beleza, seu nome de batismo na mídia, está fazendo fama. Para início de papo, porém, esqueça o termo “chip”.
O dispositivo é um implante hormonal desenvolvido originalmente para evitar a gravidez e os desconfortos do ciclo menstrual. Mas todo burburinho começou quando as adeptas de algumas formulações notaram um bem-vindo efeito colateral: melhoras na silhueta.
Essa foi a experiência da psicóloga Juliana Orrico, de 35 anos, da capital paulista. Seu médico optou pelo implante porque ela sofria muito com a TPM. “No início, fiquei um pouco inchada e apareceram algumas espinhas, problema para o qual já tenho tendência”, conta. “Mas depois tive um bom aumento da massa magra e ganhos na definição muscular”, completa Juliana, que pratica exercícios físicos com regularidade e cuida bastante da alimentação.
Mas a forma como o chip vem sendo difundido faz a comunidade médica torcer o nariz. “A minha opinião é a mesma da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem): hormônios não devem ser prescritos para fins estéticos”, afirma o endocrinologista Alexandre Hohl, vice-presidente da entidade. O que preocupa os especialistas é justamente a busca e a eventual prescrição do produto visando contornos bacanas – muitas vezes sem pesar os riscos.
“O apelido que o implante recebeu, uma maneira de deixá-lo mais atraente, leva as pessoas a uma conclusão errada”, opina o ginecologista César Eduardo Fernandes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). A depender da fórmula, o chip pode carregar um esteroide chamado gestrinona ou progestagênio (molécula que imita a progesterona), bem como doses de testosterona. Em uma palavra, hormônios.
De olho na nova moda, o Conselho Federal de Medicina declara, em nota, que tratamentos do tipo só devem ser feitos por razões médicas e quando o procedimento dispõe de comprovação científica. É aí que a polêmica se aprofunda.
Além de ser propagandeado de uma maneira equivocada (uma vez que não se trata de uma intervenção meramente estética), faltam evidências robustas a favor do chip. “Não o indico de forma alguma, entre outras coisas porque não tenho conhecimento de nenhuma publicação científica que traga pesquisas sobre a sua ação”, diz a endocrinologista Maria Fernanda Barca, de São Paulo, membro da Sbem e da Sociedade Europeia de Endocrinologia. Fernandes concorda: “Não existe estudo sério que tenha verificado se esses implantes são efetivos e seguros”.
Não bastasse, os hormônios que servem de matéria-prima ao chip podem desencadear uma lista de efeitos adversos: aumento da oleosidade da pele e surgimento de acne, queda de cabelo, aparecimento de pelos em locais indesejáveis, engrossamento da voz, crescimento do clitóris, irritabilidade e até infertilidade.
“Isso sem falar que pessoas com histórico familiar de câncer de mama ou endométrio, problemas no fígado, nos rins ou no coração, diabetes ou trombosenão podem se submeter a esse tratamento”, alerta Maria Fernanda. Claro que isso depende dos hormônios e da dosagem selecionada, mas é ou não é para ser pesado junto ao médico?
E tem mais um complicômetro. Com exceção do implante de progestagênio, mais conhecido no mercado como anticoncepcional, os chips da beleza não são vendidos prontos no balcão da drogaria. Normalmente é o profissional de saúde que, no consultório, desenha uma fórmula individualizada, mais tarde preparada e inserida no implante por uma farmácia de manipulação.
“Se a paciente quiser comprar o produto em outro estabelecimento ou trocar de médico, provavelmente não vai saber exatamente o que está usando”, avisa Hohl. Sem uma padronização, dizem os especialistas, fica difícil não só estudar o implante mas também garantir que ele trará os resultados esperados não colocando a saúde em risco.
Outra visão sobre o implante
Apesar das sérias críticas ao dispositivo, alguns profissionais defendem que o problema não está no produto, mas em seu mau uso. O que faz a diferença, portanto, seria uma indicação médica criteriosa. O endocrinologista Filippo Pedrinola, membro da Sbem e da Sociedade Americana de Endocrinologia, ressalta que os implantes não devem ser receitados para fins estéticos e só dá para pensar na prescrição após uma avaliação clínica e a realização de exames. “Mas eles podem ser úteis no alívio de sintomas da TPM, em alguns casos de endometriose ou àquelas mulheres que buscam diminuir ou interromper o ciclo menstrual”, exemplifica.
Se, diante dos prós e contras, bater a curiosidade de experimentá-lo, não caia no conto de fadas e corpos esbeltos das redes sociais. Procure um médico de sua confiança e converse com ele. Na maioria dos casos, é provável que o especialista vá recomendar saídas mais convencionais, além de dieta e exercício. Só fique com um pé atrás se ele lhe indicar o implante exclusivamente por motivos estéticos. Lembre-se: no fundo, o chip não passa de um tratamento hormonal.
TUBINHO
O que é: O implante é um cilindro bem fininho de silicone com 3 a 5 cm de comprimento e 3 mm de espessura. Ele é recheado com hormônios liberados lentamente. Custa entre 3 e 4 mil reais.
Onde fica: É colocado na parte interna do braço, próximo à axila, ou acima das nádegas.
Como é instalado: Em um procedimento com anestesia local que dura dez minutos.
Quanto dura: Depende dos hormônios inseridos no implante, mas chega a ficar ativo por três anos, podendo ser retirado a qualquer momento.
ALPISTE
O que é: Esse implante tem o tamanho da semente de alpiste e é feito de cristais de hormônio que se dissolvem gradualmente até desaparecer. Tem um custo parecido com a versão tubinho. Não é tão comum por aqui.
Onde fica: Ao contrário do implante maior, que fica sob a pele e pode ser sentido com os dedos, esse é inserido na camada de gordura.
Como é instalado: Em um procedimento rápido que não requer anestesia.
Quanto dura: Tem uma validade mais curta, agindo ao longo de seis meses.
As promessas do chip
Os benefícios segundo os defensores dos implantes:
Menos TPM
A explicação está ligada à paralisação do fluxo menstrual. Usuárias relatam melhoras físicas e no humor.Menos cólicas
Como o dispositivo interrompe a menstruação, a mulher não tende a sofrer com a dor que aparece nos primeiros dias do fluxo.Menos celulite
O efeito sobre a pele vem do uso da testosterona, o hormônio masculino, bem como da redução na gordura corporal.Mais disposição
Por contornar os altos e baixos dos hormônios no ciclo menstrual, o implante parece elevar a energia e a libido.Mais músculos
Implantes formulados com testosterona ajudam a aumentar e a definir a massa muscular.
OS EFEITOS INDESEJÁVEIS
O uso do chip da beleza envolve riscos e reações adversas. Daí a necessidade de ponderar bem com um médico. Veja:
Masculinização
A mexida com os hormônios, associada à utilização da testosterona, pode levar a queda de cabelo, aparecimento de pelos, engrossamento da voz…
Impacto na glicemia
Algumas usuárias chegam a ter problemas com a ação da insulina, ficando expostas à sobrecarga de açúcar no sangue e ao ganho de peso.
Perigo nos vasos
Os hormônios podem repercutir na circulação sanguínea, o que eleva a probabilidade de coágulos se formarem, o ponto de partida de uma trombose.
Ameaça a órgãos
Se houver propensão, coração, rins e fígado podem ficar sobrecarregados com o aporte de hormônios. Exames ajudam a flagrar e prevenir os chabus.
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