FÚRIA
Sessenta entidades importantes empresariais, junto com a Igreja Católica e a classe média apoiaram ativamente o dito golpe de 1964.
O medo do comunismo e a chamada Guerra Fria endureceram o coração da América Latina. “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás“. Que frase poética. Atribuíram a Che Guevara, mas ele nunca disse nada parecido. Mas Mito é Mito. Segue o jogo.
A sociedade brasileira achou que com a redemocratização, o paraíso nasceria nos horizontes perdidos. O arco íris iria reaparecer. Novos sonhos para sonhar e novas canções para cantar. Não iríamos mais caminhar contra o vento, sem lenço, sem documento. Amanhã será outro dia.
Uma ilusão que com o tempo mostrou-se amarga e azeda. Nossa tão sonhada Democracia caminha aos trancos e barrancos. Nossa classe política desencanta. A desesperança e o pessimismo são como esperanças perdidas nos corações partidos pelas desilusões.
As liberdades individuais e de expressão vivem com medo e aprisionadas. A ditadura do judiciário é cruel. Infelizmente o STF liderado por um ser supremo, rasga a Constituição sem pudor ao seu bel prazer.
É proibido proibir como disse a canção de Caetano Veloso no seu movimento tropicalista contra a ditadura. Oh, Caetano cadê você? Cadê sua voz tropicalista. Avisa o Gil que o sonho não acabou. Oh, Chico Buarque sai do seu apartamento em Paris e vem para a Mangueira sambar. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer, lembram desses versos de Vandré?
Os políticos do passado continuam no comando. Os mais vivos continuam governando os menos vivos. Corruptos comandam o país. Candidatos com condenações são diplomados, chancelados por Juízes eleitorais premiando o absurdo. Continuamos esperando Godot? As pessoas aplaudem sem saber o que está em jogo. Não é somente a vitória eleitoral que está sendo avaliada, mas sim os valores éticos e morais.
Homens como Sobral Pinto não existem mais. Temos que nos embebedar de virtudes. Somos todos torcedores de um jogo sujo e indecente. Somos todos corruptos? Os fins continuam justificando os meios? Foi escrito por Maquiavel no seu livro, o Príncipe, nos anos de 1530.
A natureza humana continua ainda cínica, ambiciosa, covarde e hipócrita? “Esquecem mais facilmente a morte de um pai do que aquele que lhe tomam um bem” (Maquiavel).
O dólar nas alturas, os juros altíssimos, a economia engessada, a Lei Rouanet nas mãos da Máfia do Dendê. O Estado paquitérmico continua taxando com seu apetite voraz para arrecadar cada vez mais, sustentando sua elite, as benesses, numa fome arrecadatória sem limites e sem uma lógica econômica e social. A miséria de muitos continua sendo a felicidade de poucos.
O que nós somos? Aonde está nossa fúria? Nossa indignação fica valente somente nas discussões virtuais? As passeatas fizeram efeito? Pobres coitados que somos. Aplaudindo o que? Defendendo o que? Asdrubal cadê o trombone? Precisamos de mais som punk. Precisamos tomar mais Whisky em copos de plástico e cuspir fogo. Cadê os Mutantes?
Cadê a rapaziada que amava os Beatles e os Rolling Stones? Precisamos do Led Zepellin e o som furioso do baterista John Boham. Sentimos falta do balanço da voz de Wilson Simonal e o swingue de Jorge Ben. Cadê o Trem das Onze de Adoniran Barbosa? Cadê o Rock and Roll? Cadê Noel Rosa, Pixinguinha, Nelson Cavaquinho e Cartola?
O mundo ficou por demais politicamente correto e se tornou um babaca muito chato. Que saudades do Dzi Croquettes sob o comando do bailarino Lennie Dale. Contra-cultura total. O visual exuberante e chocante na voz aguda de Ney Matogrosso no seu sangue latino dos Secos e Molhados. Você não soube me amar como cantava a Blitz.
Ideologia eu quero uma pra viver como bem cantou Cazuza. Temos que continuar vivendo iguais aos Nossos Pais? Belchior já nos avisou que nossos ídolos ainda são os mesmos. Elis já cantou Gracias a La Vida de Violetta Parra e Los Hermanos de Athaulpa Yupanqui:
“Yo tengo tantos hermanos
Que no los puedo contar
Y una hermana muy hermosa
Que se llama
Libertad“.
Será que ainda temos tesão para continuar? Não temos mais vinte anos. A juventude de hoje olha o mundo na tela de um celular. Continuamos pedindo para o Pai afastar o cálice? Nossa fúria era livre, indomável relacionada ao amor, a liberdade, a irreverência e cheia de sonhos para sonhar.
“Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta.
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta.
Pai,
Afasta de mim esse cálice
Afasta de mim esse cálice
Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue…”