AGRICULTURA E SAÚDE
ARTIGO com P. Fernandes
ETILENOGLICOL NA CERVEJA, PERIGO NOS ALIMENTOS!
Todos devem estar acompanhado o caso da contaminação da cerveja em Minas Gerais, causando três mortes e vários casos de internações hospitalares de pessoas em estado grave.
Foram encontradas em análises laboratoriais as substâncias dietilenoglicol e etilenoglicol nas amostras das cervejas analisadas. Tais substâncias são utilizadas nos processos industriais de produção, como agente anticongelante em equipamentos de refrigeração, e de alguma forma entraram em contato com o produto contaminando lotes da cervejaria Backer.
O dietilenoglicol não é novo na história de casos de intoxicação e morte de consumidores.
No passado a substância já provocou 100 mortes quando foi usada, desta vez propositalmente, como diluente de medicamento antibiótico nos Estados Unidos na década de 1930.
Naquele tempo não se sabia de sua toxidade e diversas vidas foram perdidas devido a falta de conhecimento e precaução do fabricante do medicamento.
A substância dietilenoglicol estava presente na cerveja como uma contaminação acidental, aparentemente sem objetivo de fraudar ou alterar alguma característica do produto, pois, mesmo substâncias perigosas podem ser adicionadas com objetivo de fraudar ou adulterar um alimento (como exemplo existe o uso de soda cáustica para mascarar a acidez de leite azedo e impróprio para o consumo).
Assim como ocorreu no caso americano, a falta de conhecimento sobre toxidade de substâncias, que já foram utilizadas em alimentos, ocorria também no Brasil.
Podemos citar a cajuína, um suco de caju o qual é retirada a parte insolúvel do fruto, o bagaço que fica em minúsculas partículas em suspensão e que dá o aspecto turvo ao suco.
A pouco tempo nos produtos do comércio essas partículas da fruta eram vistas no fundo da garrafa (atualmente os fabricantes usam aditivos estabilizantes que não deixam mais o bagaço estacionar no fundo da garrafa, melhorando o aspecto do produto pro consumidor).
No processo de produção de cajuína a bebida é submetida a uma etapa de clarificação (retirada das partículas em suspensão), processo também chamado antigamente de colagem.
Sim, como o nome diz, era utilizado a cola de sapateiro, produto altamente tóxico, para clarificação, o que dava uma das características de forte cheiro de solvente na bebida. O desconhecimento sobre o perigo do uso dessa substância acarretava essa situação.
Felizmente, a tecnologia disponibilizou outras substâncias para realizar a tarefa, atualmente a mais usada é a gelatina (a mesma gelatina sem sabor encontrada nos mercados) que é totalmente inócuo a saúde, eficiente e com alta disponibilidade para uso e aquisição pelos produtores.
Ainda sobre o caso, alguns produtores de cerveja já declararam que seguem normas mais rígidas quanto a produção e que não utilizam o etilenoglicol em seus processos. Usam mistura de álcool e água na etapa de refrigeração e essas substancias, se por acidente se misturassem com a cerveja, não causariam as intoxicações nos consumidores.
EMPRESÁRIOS E CONSUMIDORES
A partir do que acorreu o caso da Cervejaria Backer, vemos a necessidade do controle e aprimoramento tecnológico contínuo dos processos industriais dos alimentos. Não é mais suficiente definir somente as substancias que podem ou não ser adicionadas aos alimentos (como na cola de sapateiro na cajuína), mas também é necessário avaliar quais substâncias podem ser usadas próximas ao alimento (como o etilenoglicol próximo à produção de cerveja) e que, em alguma ocasião, poderia entrar em contato com o produto contaminando-o.
Desagradar ou permitir que um produto cause um mal ao consumidor é uma péssima política para uma empresa. Ter o nome manchado e sua reputação abalada são perdas que talvez nunca sejam recuperadas. Cada vez mais a saúde e satisfação do consumidor está diretamente ligada ao cuidado e avanço da tecnologia que deve acompanhar, e até se adiantar, às necessidades e preferências do público.
Não existe lei no Brasil que proíba o uso de etilenoglicol ou dietilenoglicol em equipamentos de produção. Mas mesmo se existisse, não impediria que um adulteração ou falha acontecessem por descuido ou em busca de uma vantagem. Esse mesmo raciocínio se aplica para todas as normas de alimentos.
Os governos, que são responsáveis pela elaboração e aplicação das leis não são infalíveis, ou sequer são exemplo de eficiência.
Leis demoram para serem feitas e aplicadas. Descobertas e avanços tecnológicos são dinâmicos e super velozes, impossíveis de serem acompanhados pela legislação. Processos de investigação de irregularidades são demorados. Penalidades aplicadas geralmente não inibem as infrações.
Fraudadores “profissionais” ou aventureiros simplesmente ignoram as normas, escapam e pulam de uma atividade pra outra conforme a nova atividade seja mais rentável. Fabricantes responsáveis se esforçam para inovar e melhorar seus processos e produtos.
Somente consumidores esclarecidos, conscientes e organizados em grupos podem exigir de produtores a qualidade e segurança que aqueles querem.
Se já existe voluntariamente o uso da mistura de álcool e água para refrigeração por diversos produtores de cerveja no Brasil, quer dizer que atitudes voluntárias de melhorias internas na produção devem sempre ser buscadas e seguidas como bons exemplos.
E quando escândalos assim ocorrem no mercado salvam-se os mais preparados, aqueles que fazem “mais que a obrigação” que a lei estabelece, e assim recebem o prêmio que é a confiança e fidelidade do consumidor, independente do aval oficial do governo.
Fontes:
*P. Fernandes é farmacêutico e trabalha na área de inspeção de alimentos.