“Não somos únicos no universo”, diz físico Carlo Rovelli: Autor de best-seller, o cientista fala sobre alienígenas, filosofia e a principal descoberta científica da atualidade
Apesar de ser reconhecido como um dos maiores cientistas da atualidade, o italiano Carlo Rovelli não se considera um físico nato. O amor pela disciplina, que preenche as páginas de seus livros e artigos, surgiu apenas no terceiro ano do bacharelado em física. Segundo ele, foi nessa época que “entendeu que a física era muito mais do que teorias e cálculos.”
Essa percepção foi determinante para que, anos mais tarde, Rovelli começasse a escrever sobre diversos mistérios do universo. Como o célebre físico Stephen Hawking, que usou uma linguagem acessível para explicar o universo em “Uma breve história do tempo”, o cientista italiano utilizou história, filosofia e poesia a seu favor para se tornar autor de best-seller.
Sua segunda obra, chamada de “Sete breves lições de física”, chegou a ultrapassar o livro “Cinquenta Tons de Cinza” nas listas de mais vendidos da Itália em 2014. A obra tenta esclarecer as incertezas sobre a teoria da relatividade de Einstein e a teoria quântica.
Em seu quarto livro, “A realidade não é o que parece”, lançado em março no Brasil, Rovelli faz uma meditação mais profunda sobre esses assuntos. Para isso, o autor italiano faz uma ponte entre passado e presente, contando os principais desenvolvimentos da física desde os antigos filósofos gregos até os dias de hoje. Ao final do livro, Rovelli explica o que é a gravidade quântica em loop, teoria que ele tenta provar há anos. Segundo o italiano, ela pode definir um elo entre as teorias da relatividade geral e da teoria mecânica.
“A relatividade geral é sobre espaço e tempo e a mecânica quântica é sobre matéria. Portanto, elas falam sobre dois aspectos diferentes do mundo”, explica o físico. “Entretanto, elas são diferentes, pois a relatividade geral é clara e a mecânica quântica é nebulosa.” Segundo ele, as duas teorias precisam ser unidas para que a ciência explique diversos fenômenos, como os buracos negros. “Meu trabalho é tentar uni-las.”
Em entrevista a EXAME.com, Carlo Rovelli fala sobre como é formular teorias, a gravidade quântica em loop, vida fora da Terra e tempo. Confira os melhores trechos da conversa a seguir:
EXAME.com: No seu livro, você usa história, filosofia e outros assuntos para explicar as teorias físicas. Qual é a importância dessas disciplinas no entendimento do universo?
Carlo Rovelli: Para mim, todas essas disciplinas estão conectadas. Todas têm o esforço comum de entender o mundo. Eu não acho que a ciência serve apenas para solucionar problemas, a ciência é sobre a compreensão de como a natureza e a realidade funcionam. Neste sentido, ela está sempre ligada à filosofia e à todas as atividades e maneiras de pensar.
Em filmes e desenhos animados, as descobertas científicas são mostradas como um momento de epifania. Como uma teoria é criada na vida real?
As ideias sempre surgem do passado. Eu não acordo com uma ideia e decido transformá-la em teoria. Elas sempre começam a partir de trabalhos que já vimos antes, que são posteriormente questionados e modificados.
Usamos muitas ferramentas para criar uma teoria: matemática, filosofia, física e até comunicação. Na verdade, para resolver muitos dos problemas que enfrentamos, precisamos conversar e passar por longas discussões.
Muitas vezes, você fala no livro que apenas os jovens podem transformar suas ilusões em teorias. Você realmente acha que a idade é importante quando se trata de ciência?
Talvez eu tenha exagerado (risos). No entanto, é verdade que os jovens criaram as teorias que temos hoje. Também é verdade que, no passado, as pessoas costumavam viver menos e, por isso, menos cientistas viviam mais.
Claro que é preciso ter muito conhecimento para criar teorias e você só aprende algumas coisas vivendo por mais tempo. Contudo, a liberdade de pensar que você tem quando é jovem é algo único. Acredito que precisamos de um lado do conhecimento, que as pessoas mais velhas têm, e um lado da mudança e da criação de ideias que surge da mente dos jovens.
A física teórica tenta responder muitas questões da vida humana. Porém, algumas das descobertas são tão complexas que, por vezes, o público geral não entende as suas aplicações na vida real. Como os cientistas podem ajudar a mudar esta percepção?
Quando um cientista está tentando solucionar um problema, ele quase nunca sabe como a solução poderá ser aplicada na realidade. Acredito que precisamos olhar para o passado para entender o futuro. Muito do que foi descoberto no passado mudou a nossa vida completamente. As teorias e equações de Maxwell, que foram escritas há mais de cem anos, pareciam abstratas antigamente. O homem comum nunca a entenderia naquela época. Porém, o rádio, a televisão e todo o sistema de comunicação moderno são resultado das equações escritas por ele.
Quando estava na universidade, todos diziam que a relatividade geral nunca seria útil em aplicações tecnológicas. Agora, graças à teoria da relatividade geral, temos o GPS.
Falando em teoria, quão longe você está de provar a teoria da gravidade quântica em loop?
Podemos levar muito tempo para provar a teoria ou podemos prová-la na próxima semana. Anos atrás, o cientista Peter Higgs escreveu uma teoria sobre as origens do universo. Ele era um jovem cientista naquele tempo. No entanto, ele viu a confirmação da teoria apenas quando tinha 80 anos.
Eu e uma equipe de cientistas estamos tentando verificar uma parte da teoria: a explosão dos buracos negros. Para Einstein, os buracos negros são estáveis e já a mecânica quântica sugere que os buracos negros podem explodir. Queremos saber como os buracos negros podem explodir e quais os sinais que os cientistas precisam procurar para ver uma explosão.
Uma descoberta científica recente que abalou o mundo científico é a do sistema solar com sete planetas similares ao da Terra. Como ela pode afetar o futuro da astronomia?
A descoberta não é muito emocionante para os físicos, mas para os biólogos é maravilhoso, pois com esta revelação poderemos saber mais sobre a humanidade. O que aprendemos com ela é que não somos especiais ou únicos no universo.
Isso significa que você acredita que há vida extraterrestre?
Sim, eu acho que a vida pode assumir muitas formas que ainda não conseguimos imaginar.
Com a tecnologia atual, é possível que os seres humanos se comuniquem com seres em outros mundos?
É provável que tenha vida nos sete planetas encontrados. No entanto, eles estão a quase 40 anos-luz de distância da Terra, o que torna qualquer contato quase impossível com a tecnologia que temos.
Seria muito emocionante receber apenas uma mensagem de alguém dizendo: “Olá, estamos aqui” (risos). Na ciência, nunca devemos dizer que algo é impossível, porém atualmente é extremamente improvável uma comunicação com seres em outros planetas.
O tempo é um tema muito presente no seu livro. Para a física, especialmente a teoria da mecânica quântica, o tempo não faz parte das equações que explicam muito fenômenos do universo. Porém, se o tempo não existe na teoria, porque as pessoas têm a noção de que o tempo está passando mais rápido hoje em dia do que antigamente?
Esta ideia de que o mundo está passando mais rápido e que não temos tempo para fazer nada é um pouco falsa. Não acho que o mundo está mudando mais rápido do que no passado. Acredito que é apenas a nossa perspectiva que o torna mais rápido.
Aliás, acredito que a minha avó viu mudanças muito maiores na tecnologia do que eu. Minha avó nasceu quando não havia luz elétrica, não havia carro, televisão ou rádio. Ela viu todas essas coisas surgirem. Eu vi apenas o computador chegando. É uma coisa pequena em comparação com o que ela presenciou. Eu acho que o desenvolvimento da tecnologia foi mais rápido na geração da minha avó do que na minha geração.
Qual é o seu maior sonho como físico?
Espero encontrar respostas para a minha teoria. Não importa se ela está certa ou errada. Eu só quero saber.
Por Marina Demartini, de Exame.com
Fonte: http://super.abril.com.br/ciencia/nao-somos-unicos-no-universo-diz-fisico-carlo-rovelli/