POLÍTICA & NEGÓCIOS
O COURO CONTINUARÁ INSUPERÁVEL
LUIZ BITTENCOURT
O comércio exterior geral brasileiro vinha apresentando desalentadores resultados até 2017 quando iniciou robusta recuperação. Essa inflexão, capitaneada pelo agronegócio, não foi acompanhada por determinados setores da economia brasileira que ainda encontram enormes dificuldades para reconquistar seu espaço no mercado.
Entre os mais debilitados setores está o de couros, segmento industrial eminentemente internacionalizado, consequência da crescente fragilidade da demanda doméstica. Por sua vez, essa vulnerabilidade é decorrente da incontrolável desindustrialização ocorrida nos últimos 20 anos, tanto na indústria de calçados, como na de manufaturados de couro no Brasil.
O resultado dessa atrofia comercial começou a ser sentido a partir de 2015, quando as exportações brasileiras de couro iniciaram vertiginosa queda, de tal forma que em 2018 exportou somente a metade do valor obtido em 2014, o que representou ínfimos 0,6% das exportações nacionais (já obteve participação de 2%).
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS
US$ bilhão FOB
ANO | EXPORTAÇÃO BRASILEIRA DE COURO | EXPORTAÇÃO BRASILEIRA GERAL |
2014 | 2.946 | 224.974 |
2015 | 2.263 | 190.971 |
2016 | 2.032 | 185.232 |
2017 | 1.899 | 217.739 |
2018 | 1.443 | 239.889 |
Fonte: Comexstat/MDIC
Mesmo assim, o setor exportou, em 2018, quase US$ 1,5 bilhão, revelando sua consistente inserção internacional.
No âmbito doméstico e sob os auspícios do governo federal, a artificial e desmedida concentração produtiva incentivada no setor, produziu inicialmente forte valorização da matéria-prima, inviabilizando o poderoso cliente criador de moda/luxo que, contingenciado a migrar para material sucedâneo, provocou consequente ostracismo e depreciação do couro nacional, encolhendo as já reduzidas margens da indústria.
O resultado é que, em três anos, o valor médio de venda do couro brasileiro caiu 50% e seu valor histórico, que flutuava na faixa média de 6% a 8% do valor do boi vivo, tendo atingido o recorde de 12%, hoje não passa de 2%. E como deletério efeito colateral da baixa remuneração, o frigorífico não tem qualquer estímulo para tratar adequadamente a matéria-prima. Os malefícios são devastadores.
No âmbito internacional, ataques, sob falsa base, tentam constantemente desconstruir a imagem do setor, mesmo sabedores de que o couro não é responsável por sua existência comercial e que é biodegradável, ao mesmo tempo em que os concorrentes sintéticos são contumazes poluidores, eternizando o caos ambiental em rios, lagos e oceanos.
Enquanto a população mundial não for 100% vegetariana e/ou vegana, haverá oferta de couro.
Nos últimos trinta anos, o número de habitantes no planeta dobrou e a oferta global de couro se manteve. A solução lógica para essa equação seria a valorização do couro, porém, por inadequada organização, a matéria-prima conseguiu se desvalorizar.
Temos, então, um sério problema em escala mundial, com forte repercussão no Brasil.
Certamente, esse quadro também é consequência da imprecisa avaliação do poder de competição dos materiais sucedâneos, principalmente os sintéticos, permitindo-lhes ganhar a corrida e conquistar o consumidor. A perda de mercado é galopante e a oferta de couro suplanta a demanda, como registra Mike Redwood em seu artigo “Leather – from overcapacity to oversupply”.
O bom senso sugere um imediato, institucional e globalizado trabalho regenerativo que construa, sob harmoniosa união setorial, uma plataforma de cadeia de valor, com coordenação, por exemplo, do International Council of Tanners – ICT, como bem sugeriu Gonzalez-Quijano, da Cotance.
Inovação e marketing precisam entrar em campo no esforço de recuperação do couro, sendo que o marketing, nessa empreitada, deve deixar de ser reativo e migrar temporariamente da marca para o institucional, reconstruindo junto aos consumidores a original e única imagem do couro, mantendo-o insuperável e recuperando a saúde do setor.
Para terminar, não podemos deixar de perceber que a atuação concentrada dos criadores de moda/luxo na administração da demanda lhes fornece poder de estabelecer predatoriamente o preço do couro. O setor cafeeiro já passou por semelhante problema, quando cafezais foram queimados, consequência do desequilíbrio provocado na oferta e na procura. Setores que se organizaram como siderúrgico, cítrico, sucro-alcooleiro e o próprio cafeeiro, por exemplo, controlam o desequilíbrio dos preços extremados pela utilização de um instrumento estratégico de articulação entre os principais atores na comercialização dos produtos.
Luiz Bittencourt, Engenheiro Metalúrgico pela UFF; Master of Engineering pela McGill University, Montreal, Canadá e pós graduado em Comércio Exterior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Diretor da LASB Consultoria. e-mail: [email protected]
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