O comércio exterior brasileiro tem mostrado, nos últimos 25 anos, constante evolução e crescimento das exportações, ancorado especialmente na ampliação da produção e da internacionalização do agronegócio.
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS E DO AGRONEGÓCIO
1997 A 2021
US$ milhões
Fonte: Comexstat/ME
Nesse mesmo período, as exportações brasileiras de couro, mesmo não apresentando o mesmo perfil de constante crescimento, chegaram a quadruplicar.
Contudo acomodações de mercado e oscilações nas atividades econômicas limitaram o aumento a 100%no fim do período.
EXPORTAÇÕES DE COURO E CALÇADO
1997 A 2021
US$ milhões
Fonte: Comexstat/ME
As exportações de calçados, por sua vez, caíram 35%.
Essas duas trajetórias guardam importante relação, revelando formas distintas da internacionalização do couro brasileiro.
No início do período, as exportações de couro representavam a metade das exportações de calçados porque grande parte do couro nacional era exportado embarcado no calçado.
Naquela época, 84% das receitas internacionais do calçado se concentravam em calçados de couro.
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DO CALÇADO DE COURO NAS EXPORTAÇÕES DE CALÇADOS
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Fonte: Comexstat/ME
Durante esse quarto de século, relevante extensão do setor calçadista gradativamente substituiu o couro por materiais alternativos, especialmente o plástico, com enormes desvantagens em durabilidade, conforto, beleza e degradação ambiental.
Como consequência, a participação do calçado de couro caiu para 19% na produção nacional e despencou para 33% nas exportações de calçados, levando o setor curtidor a se reinventar, expandir o segmento estofamento (móveis e especialmente automotivo) no seu portifólio e internacionalizar predominante parte da sua produção.
A resposta foi o exponencial crescimento na comercialização direta do couro brasileiro para o mercado externo, atingindo o recorde de US$ 2,9 bilhões, em 2014.
Entretanto, a demanda internacional por couro tem sido afetada por diversos fatores, entre eles a pandemia (em 2020 e parte de 2021) e orquestrada divulgação de fake news, produzindo artificial desvalorização da matéria-prima.
De 2017 para 2020, houve queda de 15% nas exportações brasileiras de couro em volume (202 milhões de m² para 171 milhões de m²), enquanto a desvalorização provocou queda ainda maior no preço médio do couro, alcançando 40% (US$ 9,40/m² para US$ 5,70/m²).
Em 2021, a exportação em volume se manteve, porém o preço médio obteve uma recuperação de 43%, não compensando a perda dos anos anteriores.
A desvalorização impactou negativamente a participação do couro no comércio exterior, reduzindo-a tanto na contribuição às exportações do agronegócio, quanto às exportações brasileiras.
No caso do agronegócio, caiu de 3,7%, em 2007, para 1,2%, em 2021, e nas exportações brasileiras caiu de 1,4%, em 1997, para 0,5%, em 2021.
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES DE COURO BRASILEIRO NAS EXPORTAÇÕES DO AGRONEGÓCIO E DO BRASIL
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Fonte: Comexstat/ME
Consequências idênticas de redução se apresentam nas exportações para os principais países demandantes de couro brasileiro.
EXPORTAÇÕES DE COURO PARA DESTINOS SELECIONADOS
US$ milhões
Fonte: Comexstat/ME
Apesar da queda, a China evoluiu para suplantar a União Europeia na demanda por couro brasileiro e lidera, com folga, a relação dos mais importantes clientes do setor.
A China, há algum tempo, tem sido o mais importante parceiro comercial do Brasil e do setor curtidor.
A pandemia foi algoz para diversos setores no período de 2020 e parte de 2021, porém as dificuldades restantes estão reservadas a uma viciada campanha internacional, orquestrada por organizações e celebridades veganas, que insistem em imputar o abate animal ao couro. Inverdade que, ao ser repetida em pronunciamentos e nas peças de marketing, tem influenciado o mercado, alcançando especialmente marcas de valor global.
Algumas deficiências favorecem tais investidas. Por exemplo, Debbie Burton apresentou, na Conferência ILM/APLF (Asia Pacific Leather Fair), realizada em 29 de março último em Dubai, levantamento realizado entre consumidores, organizado por um conjunto de instituições inglesas relacionadas ao setor couro e divulgado por Mike Redwood, em artigo publicado no International Leather maker – ILM.
Em que pese a amostra utilizada ter sido britânica, os resultados podem ser aplicados ao mundo ocidental e revelam incapacidade que alimenta a farsa construída e contribui para que o consumidor prefira a baixa qualidade do plástico em detrimento do couro.
– grande número de consumidores não sabe que o couro tem origem animal;
– consumidores, que conhecem a origem, acreditam que o couro é o único objetivo dos abates. Não foram informados de que o couro é subproduto da carne;
– maioria dos consumidores veganos desconhece que os couros apelidados “veganos” são produzidos, via de regra, com plástico, uma das maiores fontes (se não a maior) de poluição do planeta.
O consumidor, principal ator de todo processo industrial, ao não ter acesso à gênese do couro se torna presa fácil de adulteradas manipulações e é induzido a erros primários de avaliação, estabelecendo predatória distorção, que perturba as relações entre a matéria-prima couro e o consumidor.
Para complicar, a China, principal demandante do couro brasileiro, encontra-se sob rigoroso lockdown em algumas cidades (Xangai é uma delas), para prevenção da Covid, ameaçando a expectativa de 5,5% em seu crescimento econômico, com inevitáveis e relevantes impactos na cadeia mundial de suprimentos e na logística.
Adicionalmente, a guerra da Ucrânia instabiliza relações comerciais e não avança em acordos diplomáticos, com assustadoras sinalizações que incluem conflito nuclear.
No ambiente doméstico, as eleições presidenciais promovem incerteza política e séria preocupação com futura segurança jurídica.
Resulta dessa conjuntura, inquietante ausência de previsibilidade.
Luiz Bittencourt – Eng. Metalúrgico/UFF; M. of Eng./McGill University/Montreal/Canadá; Pós-graduado em Comércio Exterior/Universidade Mackenzie/SP; Consultor em Relações Institucionais; Diretor da LASB Consultoria – [email protected]