MUNDO JURÍDICO
ARTIGO
Dr. Carlos Cabral
A primazia do princípio da boa-fé objetiva na Lei de Proteção de Dados Pessoais, no âmbito do Direito Securitário
Com o advento da Lei 13.709/2018, veio à tona no meio jurídico, mais precisamente dentro da relação consumerista, a discussão em torno da segurança dos dados pessoais de consumidores.
No caso específico dos contratos de seguro, seja ele aleatório ou comutativo, as informações pessoais do consumidor são de fundamental importância para a seguradora calcular a viabilidade de cobertura, bem como a fiel estipulação do valor do prêmio.
De forma inconteste, o equilíbrio contratual é dependente das informações pessoais do segurado, eis que o plano de validade do negócio jurídico repousa nesta questão.
Com o fornecimento de informações pessoais do eventual contratante, doutrinariamente conhecidos como dados sensíveis (e contemplados objetivamente na Lei 13.709/18), inicia-se neste ponto a responsabilidade integral do fornecedor do serviço em armazenar e disponibilizar os dados do contratante somente para as finalidades delimitadas.
A Lei 13.709/2018 apresenta em seu conteúdo normas legais e abstratas – em especial, o princípio da boa-fé objetiva – que devem ser observadas, sob pena de violação de direitos fundamentais dos hipossuficientes tecnicamente envolvidos.
Esta lacuna legislativa perdurou até a edição da referida lei, eis que em nosso ordenamento jurídico jamais existiu regramento neste sentido.
Saliente-se que a boa-fé objetiva, com seus status de princípio, possui funções hermenêutica-integrativa, delimitadora e criadora de deveres, sendo esta última a que mais se aproxima do propósito do presente artigo.
O dever de tal princípio ficou expresso quando o legislador do diploma em análise (Lei 13.709/2018) expôs em seu artigo 5º, inciso II o conceito de dados sensíveis, estabelecendo completa cobertura em seu tratamento, senão vejamos:
“Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se
(…)
II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião pública, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;”
O princípio da boa-fé objetiva ganha ainda mais contornos de robustez quando adentramos ao mérito de que a proteção dos dados sensíveis corresponde a um direito fundamental.
Temos que a constitucionalização do Direito Civil proporcionou ao direito fundamental de proteção de dados status de maior envergadura nas relações privadas, principalmente nos contratos de seguro.
Adentrando à esfera jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal reafirma a tese de que os direitos fundamentais de proteção de dados gozam de eficácia imediata nas relações privadas.
Isto porque, no entendimento do egrégio tribunal, conflitos entre particulares podem atingir direitos fundamentais em razão da desproporcionalidade entre as partes.
A exorbitância de poder pode ser verificada tanto nas relações em que o Estado figura como parte, bem como nas relações privadas.
Merece destaque, de maneira superficial, que a Lei 13.709/2018 traz em seu bojo, além do princípio da boa-fé objetiva, mais dois princípios consagrados doutrinariamente na temática alusiva à proteção de dados pessoais, em específico no que diz respeito à aplicabilidade nos contratos de seguro, quais sejam: princípio da finalidade e princípio da necessidade.
O primeiro preconiza que a seguradora somente poderá utilizar dados pessoais do segurado para os fins específicos quando da coleta de tais informações – os quais devem ser relacionados à análise do risco do contrato.
Já o segundo, determina que a coleta de informações deve se restringir à coleta das informações imprescindíveis à contratação do seguro ou ao cumprimento de uma norma legal ou regulatória, sendo certo que a contratação jamais poderá servir como justificativa para a imposição do dever de fornecimento de informações despropositadas.
Diante de todo exposto, inevitável a compreensão que o advento do referido diploma legal a respeito da proteção de dados pessoais constitui divisor de águas no ordenamento jurídico brasileiro.
Trouxe em seu contexto maior segurança jurídica entre as partes do contrato, delimitando regras para o uso de dados pessoais no contrato de seguro, mediante duas vertentes: a do segurado, por intermédio da garantia de sua proteção de dados pessoais; assim como da seguradora, proporcionando-lhe segurança jurídica para que possa se valer da coleta de dados para análise de riscos.
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