O Universo pode ter dimensões além de comprimento, largura, profundidade e tempo. Entenda na coluna do físico Marcelo Lapola quais teorias trazem possíveis caminhos até elas
Marcelo Lapola*Parece ficção científica, mas na verdade a busca por dimensões extras no Universo está na lista das principais e mais desafiadoras questões que a ciência tenta responder. Afinal, quantas dimensões existem? A resposta imediata, a princípio, comprovada em múltiplos experimentos é: quatro, sendo três de espaço (largura, altura e profundidade) e o tempo.
Essa quarta dimensão, que forma o espaço-tempo tetradimensional, é consequência direta de um dos postulados da Relatividade Especial de Einstein, que afirma: “A velocidade da luz no vácuo tem o mesmo valor [cerca de 300 mil quilômetros por segundo] quando medida a partir de qualquer referencial inercial. Esse valor independe da velocidade do observador ou da fonte emissora de luz.”
Mas, é claro, a história não termina aí.
Já notou que a gravidade — essa que faz seu celular cair no chão (quase sempre com a tela para baixo) e que mantém a Lua orbitando a Terra, a Terra orbitando o Sol… — é muito mais fraca que outras forças fundamentais da natureza? Um pequeno e singelo imã de geladeira é suficiente para criar uma força eletromagnética maior que a força gravitacional exercida pelo planeta Terra inteiro!
Pois foi exatamente o que os físicos Oskar Klein e Theodor Kaluza descobriram quando, na década de 1920, propuseram uma dimensão-extra, isto é, uma quinta dimensão ao modelo de Einstein, na teoria da Relatividade Geral. Nesse caso, uma quinta dimensão deveria ser uma dimensão de espaço. E ela daria conta de unir à gravidade outra força fundamental da natureza conhecida na época, a eletromagnética.
Desse modo, a força eletromagnética, incorporada matematicamente à Relatividade Geral, pôde ser explicada pela curvatura de uma dimensão extra do espaço, já que a gravidade curva as outras quatro dimensões.
Mas como a força eletromagnética é 1040 vezes mais forte que a gravidade, logo Kaluza e Klein descobriram que a curvatura da dimensão extra tinha de ser tão grande que poderia estar enrolada em um volume muito menor que um átomo, e seria impossível detectá-la. Assim, quando uma partícula como um elétron viajasse pelo espaço, invisível para nós, ela daria voltas e mais voltas na quinta dimensão, como um hamster em uma roda.
O mais duro golpe na teoria pentadimensional de Kaluza e Klein aconteceu anos depois, com a descoberta de outras duas forças fundamentais da natureza, operando em nível atômico: as forças nucleares fraca e forte. A partir de então, o problema se inverteu, e o desafio maior passou a ser unificar a Relatividade Geral, que descreve a força gravitacional, com a Teoria Quântica de Campos, que descreve muito bem as outras três forças (eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca).
É longa essa busca por uma “Teoria de Tudo”. Há diversas propostas e modelos que funcionam muito bem matematicamente, mas nenhuma comprovação experimental da existência do tal gráviton, partícula que seria responsável pela força gravitacional em nível quântico, isto é, em escala subatômica.
Uma explicação possível, e mais moderna, para o fato de a gravidade ser muito mais fraca que as outras três forças fundamentais é que não sentimos o efeito total dessa força porque parte dela se espalha para dimensões extras. É o modelo de Branas proposto pela física teórica norte-americana Lisa Randall e o físico indiano Ramam Sundrum, em 1999.
“O quê?!”, você deve estar se perguntando. Vamos lá: se existem dimensões extras além daquelas quatro que formam o espaço-tempo, elas podem explicar por que o Universo está se expandindo mais rápido do que o esperado e por que a gravidade é mais fraca que as outras forças da natureza.
Coisas das quais não temos a menor ideia — como a energia escura, que acelera a expansão do cosmos, e a matéria escura — podem ser bem explicadas por modelos como esse. Ou ainda: sabe aquela chave que você sempre perde? Vai ver ela foi dar uma passeada em outra dimensão.
Escondidas, compactificadas, invisíveis!
Tudo nessa história de dimensões extras parece mesmo ser uma questão de escala. Como já mencionado, no dia a dia, experimentamos três dimensões espaciais e uma quarta dimensão, o tempo. Mas então, como poderia haver mais?
A teoria da Relatividade Geral nos diz que o espaço pode se expandir, contrair e dobrar, certo?Se uma dimensão se contraísse em um tamanho menor que um átomo, ela estaria oculta da nossa visão. Mas, se pudéssemos construir instrumentos capazes de enxergar em uma escala suficientemente pequena, essa dimensão oculta pode se tornar visível novamente. Simples assim — só que não.
Pense em você andando numa corda bamba. Só poderá se mover para trás e para frente, mas não para esquerda nem direita, nem para cima ou para baixo. Nesse caso, você vê apenas uma dimensão. Agora, formigas vivendo em uma escala muito menor poderiam se mover para esquerda e direita e também ao redor do cabo, o que pareceria uma dimensão extra para o equilibrista. Olha aí a ideia original de Kaluza e Klein de volta!
Então, de uma vez por todas, como a gente pode observar algo tão pequeno? Como poderíamos testar se dimensões extras existem de verdade? Uma opção seria encontrar evidências de partículas que só podem existir se dimensões extras forem reais. Teorias provam matematicamente que dimensões extras, da mesma maneira que os átomos, têm um estado fundamental de baixa energia e estados de alta energia excitados, então haveria versões mais pesadas de partículas padrão em outras dimensões.
Essas versões mais pesadas de partículas — chamadas “estados de Kaluza-Klein” — teriam exatamente as mesmas propriedades que as partículas padrão (e, portanto, seriam visíveis para nossos detectores), mas com uma massa maior. Tais partículas pesadas só podem ser reveladas com as altas energias atingidas por aceleradores de partículas muito mais potentes e maiores que o Grande Colisor de Hádrons (LHC).
Por isso, enquanto um desses não é construído, as partículas que podem ser evidências de dimensões extras ainda estão no campo da pura teoria, mas que tem em si um sentido físico muito robusto.
Outros físicos teóricos sugerem que a partícula gráviton está associada à gravidade da mesma maneira que o fóton está associado à força eletromagnética. Se existirem grávitons, deve ser possível criá-los em aceleradores de partículas, mas eles desaparecerão rapidamente em dimensões extras.
Outra maneira de revelar dimensões extras seria a partir da produção de “buracos negros microscópicos”. O que exatamente detectaríamos dependeria do número de dimensões extras, da massa do buraco negro, do tamanho das dimensões e da energia na qual o buraco negro ocorre. Descobrir no mundo real mais evidências sobre qualquer uma dessas teorias abre as portas para possibilidades ainda desconhecidas da ciência.
Teoria das Cordas
Outra ocasião em que se reviveu a ideia das dimensões extras, dessa vez para unificar de vez as quatro forças, foi a partir dos anos 1970 com o desenvolvimento da Teoria das Cordas. Esse modelo propõe os blocos de construção fundamentais do Universo não como partículas (pontinhos minúsculos) mas como pequenas “cordas” de massa e energia. O assunto dá (e dará em breve) um artigo à parte nesta coluna. Mas já vale mencionar que, para descrever todas as quatro forças, as tais cordas devem vibrar em um espaço-tempo de 10 dimensões, com seis dimensões do espaço enroladas, muito menores do que um átomo.
Foi a Teoria das Cordas, meio esquecida ultimamente, que deu origem à ideia de que o Universo é como uma ilha de três dimensões, ou “brana”, flutuando em um espaço-tempo de 10 dimensões. E também explicaria a fraqueza da gravidade diante das outras três forças. Enquanto as forças são fixadas na brana, a gravidade vaza para as seis dimensões espaciais extras, diluindo enormemente sua força.
Em trabalho publicado recentemente, do qual sou um dos autores, propusemos uma quinta dimensão ao espaço-tempo no modelo padrão da Cosmologia, conhecido popularmente como Teoria do Big Bang. Nesse modelo, o nosso universo de quatro dimensões se manifesta, com toda matéria que existe, expandindo-se na superfície de um espaço-tempo de cinco dimensões e vazio.
Com isso, estabelecemos, entre outras descobertas, uma explicação para a energia escura a partir da energia desse vácuo em cinco dimensões, responsável por acelerar a expansão do Universo. E comparando os resultados com as observações experimentais mais atuais, obtivemos ótima concordância.
O modelo chamado STM (sigla em inglês para Space-Time-Matter model), ou Modelo de Matéria Induzida, foi proposto pelos físicos Paul Wesson e Ponce de Leon na década de 1990. Nessa proposta, a quinta dimensão não necessariamente é espacial, mas estaria associada à massa, isto é, à matéria. Assim, toda matéria existente no nosso universo (de quatro dimensões) é uma manifestação puramente geométrica da dimensão extra. Por isso, talvez a quinta dimensão sempre esteve diante dos nossos olhos, em toda matéria que vemos e da qual somos feitos. Nós é que ainda não percebemos.
A comprovação experimental das teorias que propõem a existência de dimensões extras no Universo permanece uma questão em aberto, muito longe de ser descartada. E algumas delas são baseadas em uma ideia de simplicidade muito convincente e alto poder unificador, como a STM. Foi assim com muitas teorias, muito tempo se passou até que foram comprovadas.
O tempo dirá se algumas delas poderão de fato desempenhar um papel de importância para o nosso entendimento da natureza. Só o tempo, esse mesmo que nos envelhece, também é capaz de dizer se uma teoria está certa ou não.
O tempo, que faz lembrar a bela letra de Caetano Veloso: “Compositor de destinos/Tambor de todos os ritmos”. Quem sabe os tambores do tempo também não estejam tocando em outras dimensões.
*Marcelo Lapola é pesquisador, doutorando em Física pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)